Iceberg [Antropobsceno]
site specific (instalação permanente)
cimento, neon, natureza
10 x 7 x 11 m
Parque das Esculturas - Casa do Governador (Vila Velha, ES, Brasil)
Fernando Velázquez, 2021-22


Arquiteto responsável: André Mafra
Cálculo estrutural: Sergio Massao Adati
Paisagismo: Henrique Zanetta e Andre Mafra
Construção: Lucas Resolve
Equipe: José Lucas Santos, Marcos Vinicius Nascimento da Silva, Vinicius de Lima Silva, Gustavo de Souza Lima, Alisson Gomes Dos Santos
Fotografia: Ignez Capovilla
Texto: Daniela Labra



Iceberg (Antropobsceno)

“Eu sou uma compostista, não uma póshumanista: somos todos compostos, adubo, não pós-humanos”.
Donna Haraway


A pesquisa e produção artística de Fernando Velázquez é muito difundida no campo da visualidade digital e inteligência artificial há quase duas décadas. Conhecido pelas superfícies de imagens em movimento com grande apelo estético tecnológico, suas obras no entanto resultam de investigações críticas, interdisciplinares e transculturais. Velázquez estudou arquitetura, música, e belas artes no Uruguai, mas obteve graduação em Design de Multimídia ao migrar para o Brasil. Professor, curador e ensaísta, o conjunto da sua produção reflete um corpo de pensamento diverso pautado numa visão crítica da tecnologia e do capitalismo, e no conhecimento das culturas ancestrais, entre outros.

A sua obra instalada no Parque das Esculturas na Casa do Governador (Vila Velha-ES) é um site-specific erguido com cimento, plantas, luz e neon. Suas formas e dimensões evocam uma espécie de templo primitivo de linhas básicas sem ornamentos, exceto pelo luminoso que faz brilhar no seu interior a palavra “Antropobsceno”. Este neologismo que dá título ao trabalho amplifica sonoramente o termo Antropoceno com todo o peso que lhe envolve, em um espaço artístico que estimula experiências poéticas, sensíveis, espirituais, corporais e também críticas.

O termo Antropoceno foi cunhado pelo cientista Premio Nobel de química Paul Crutzen em 2000. Desde então, gerou diversos debates e hoje é aceito informalmente no meio científico. Como coloca a filósofa e ativista Donna Haraway, “desde o início, os usos do termo Antropoceno enfatizaram a ação do homem no aquecimento e acidificação dos oceanos pelas emissões de CO2 de combustíveis fósseis”. O Antropoceno tornou-se, assim, uma referência da mudança ambiental global, e define uma época geológica graças ao substancial impacto planetário das atividades humanas nos ecossistemas terrestres. A constatação da deterioração planetária pela ação humana nos confronta com a insustentabilidade de um modo de existência autofágico. Contraditoriamente, é o consumo de recursos naturais que faz crescer os contextos mais automatizados e artificiais dos quais a humanidade se tornou dependente.

Este templo ao Antropobsceno oferece, então, um movimento contrário. É um espaço de calma que conduz à contemplação de nossos tempos interiores. Ele proporciona uma temporalidade afastada da ansiedade de Cronos, o deus da antiga Grécia que alastrou-se pelo planeta com a colonização europeia e hoje marca o ritmo da vida com seus relógios que martelam: Time is Money! A instalação permanente no jardim transporta o visitante para uma consciência temporal compatível com o que realmente somos: organismos vivos integrantes de uma gigantesca nave chamada Cosmos, onde o planeta Terra é um grão e a humanidade um frágil e vibrante átomo.

“Iceberg Antropobsceno" - que parece ter brotado da terra como um tubérculo e será tomado de maneira emergente pelas plantas colocadas estrategicamente no seu entorno - nos leva a refletir sobre a urgência de considerarmos todos os organismos terrenos como nossos parentes. Isso mesmo. Por que a fraternidade entre humanos e inter-espécies é a única via para mudar o curso de destruição planetária que exterminará nossa casa e linhagem. Para alguns, a saída de nossa espécie está em colonizar Marte. Contudo, é uma salvação possível apenas para os que podem pagar o caro bilhete de uma nova Arca de Noé ainda improvável, movida a eletricidade e combustível fóssil enquanto esse existir.

Daniela Labra, Maio de 2022

Referências
HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. Tradução de Susana Dias, Mara Verônica e Ana Godoy. In: ClimaCom Cultura Científica - pesquisa, jornalismo e arte Ι Ano 3 - N. 5 / Abril de 2016. Pp.139-146.